Como seria as passarelas de moda brasileira se, ao invés do que acontece hoje, desfilasse modelos com a cara do Brasil?
Por que será que o Brasil demorou tanto para ter uma identidade própria no cenário internacional da moda?
Sem querer polemizar, vamos ver alguns dados importantes. Leiam essa matéria super legal.
Na noite de 28 de novembro de 1973, uma quarta-feira com neve, 720 membros da elite européia e americana foram ao Palácio de Versalhes, a uma hora do centro de Paris, para assistir a um desfile de moda. Às 21 horas, quando as cortinas do teatro foram levantadas e um violino de uma grande orquestra quebrou o silêncio com a abertura de Cinderela, do compositor Prokofiev, convivas como a princesa Grace de Mônaco, o artista americano Andy Warhol e a baronesa Guy de Rothschild, presenciariam um evento seminal. Uma mistura de golpe publicitário, deliciosa batalha de egos inflados, e um dos mais involuntários atos de militância social contra a desigualdade racial nas passarelas. Também foi o momento em que a moda americana moderna passou a ser respeitada por críticos franceses. Os eventos daquela noite são contados, com requintes de detalhes, no ótimo livro “The Battle of Versailles” (A Batalha de Versalhes), da premiada jornalista de moda Robin Givhan, que chega às livrarias americanas nesta terça.
Já em outro site encontrei essa matéria que, por incrível que pareça, aborda o mesmo assunto com as mesmas preocupações. Vale a pena ler
Em 28 de novembro de 1973, o Castelo de Versalhes foi palco de um desfile que mudou o curso da história. Cinco grifes francesas e cinco grifes americanas apresentaram suas criações para uma plateia abastada no intuito de arrecadar US$ 60 milhões para a restauração do monumento que, desde o século XIX, não sofria uma reforma. A noite, de natureza beneficente, acabou se tornando uma guerra entre o consagrado estilo elegante francês e a nascente indústria de moda americana.
Os estilistas “donos da casa”, Yves Saint Laurent, Hubert de Givenchy, Marc Bohan, Pierre Cardin e Emanuel Ungaro, receberam os convidados com desdém e ares vitoriosos: com duas horas e meia de desfile, tinham o triplo de orçamento, cenários suntuosos, balés e orquestras. Os americanos, Oscar de la Renta, Bill Blass, Anne Klein, Halston e Stephen Burrows, fizeram uma apresentação de meia hora, num único cenário simples e com uma fita cassete servindo de trilha sonora.
Os franceses mostraram seu savoirfaire secular com modelos de alta-costura; os americanos apresentaram vestidos de jérsei e looks esportivos. O desfile dos franceses deu sono na plateia. O dos americanos a levou a aplaudi-los de pé, aos gritos, jogando os libretos com o programa do evento para o alto. Esse é o tema central do livro The battle of Versailles (A batalha de Versalhes), da crítica de moda americana Robin Givhan, que acaba de ser publicado nos Estados Unidos.
Terminei o livro recentemente, e uma questão passou a me perseguir obsessivamente: qual a razão do estrondoso sucesso dos americanos? Não foram certamente as roupas, pois os franceses dominavam muito mais as técnicas que seus concorrentes. Foi, sem dúvida, a maneira com que essas roupas foram apresentadas – e por quem foram apresentadas. Das 36 modelos que desfilaram para eles, muitas das quais por um cachê bem abaixo da média, dez eram negras, quase um terço do casting. Nomes como Amina Warsuma, Charlene Dash, Norma Jean Darden, Bethann Hardison e Pat Cleveland representavam o impacto da cultura negra sobre a sociedade americana, o “black glamour”, naquele início dos anos 1970. A música negra deixava os rincões dos pubs do bairro do Harlem, em Nova York, para revirar o pop. Coreografias sensuais e ritmadas batizadas “voguing” inundavam as pistas de dança da cidade na cadência da disco music.
Com um caminhar militarmente assertivo e charmosos pivôs de bailarina, as modelos negras de Versalhes transformaram o jeito afetado e delicado de desfilar que há 20 anos dava os tons das passarelas parisienses. Elas imprimiram personalidade aos passos das manequins. “Nós passamos a existir como motores e protagonistas da indústria depois daquele desfile”, diz Pat Cleveland. “Quando a plateia começou a bater os pés no chão com força e jogar os programas para o alto, pensamos que tínhamos feito alguma coisa errada. Pelo contrário, havíamos feito tudo tão diferente que criamos um novo padrão do certo.” Detalhe: Stephen Burrows, um dos estilistas americanos que participaram do evento, era negro, o único entre seus pares. Foi tão ovacionado quanto as modelos.
Os estilistas “donos da casa”, Yves Saint Laurent, Hubert de Givenchy, Marc Bohan, Pierre Cardin e Emanuel Ungaro, receberam os convidados com desdém e ares vitoriosos: com duas horas e meia de desfile, tinham o triplo de orçamento, cenários suntuosos, balés e orquestras. Os americanos, Oscar de la Renta, Bill Blass, Anne Klein, Halston e Stephen Burrows, fizeram uma apresentação de meia hora, num único cenário simples e com uma fita cassete servindo de trilha sonora.
Os franceses mostraram seu savoirfaire secular com modelos de alta-costura; os americanos apresentaram vestidos de jérsei e looks esportivos. O desfile dos franceses deu sono na plateia. O dos americanos a levou a aplaudi-los de pé, aos gritos, jogando os libretos com o programa do evento para o alto. Esse é o tema central do livro The battle of Versailles (A batalha de Versalhes), da crítica de moda americana Robin Givhan, que acaba de ser publicado nos Estados Unidos.
Terminei o livro recentemente, e uma questão passou a me perseguir obsessivamente: qual a razão do estrondoso sucesso dos americanos? Não foram certamente as roupas, pois os franceses dominavam muito mais as técnicas que seus concorrentes. Foi, sem dúvida, a maneira com que essas roupas foram apresentadas – e por quem foram apresentadas. Das 36 modelos que desfilaram para eles, muitas das quais por um cachê bem abaixo da média, dez eram negras, quase um terço do casting. Nomes como Amina Warsuma, Charlene Dash, Norma Jean Darden, Bethann Hardison e Pat Cleveland representavam o impacto da cultura negra sobre a sociedade americana, o “black glamour”, naquele início dos anos 1970. A música negra deixava os rincões dos pubs do bairro do Harlem, em Nova York, para revirar o pop. Coreografias sensuais e ritmadas batizadas “voguing” inundavam as pistas de dança da cidade na cadência da disco music.
Com um caminhar militarmente assertivo e charmosos pivôs de bailarina, as modelos negras de Versalhes transformaram o jeito afetado e delicado de desfilar que há 20 anos dava os tons das passarelas parisienses. Elas imprimiram personalidade aos passos das manequins. “Nós passamos a existir como motores e protagonistas da indústria depois daquele desfile”, diz Pat Cleveland. “Quando a plateia começou a bater os pés no chão com força e jogar os programas para o alto, pensamos que tínhamos feito alguma coisa errada. Pelo contrário, havíamos feito tudo tão diferente que criamos um novo padrão do certo.” Detalhe: Stephen Burrows, um dos estilistas americanos que participaram do evento, era negro, o único entre seus pares. Foi tão ovacionado quanto as modelos.
Mais de 40 anos depois da batalha de Versalhes, o que restou dessa conquista? Um retrocesso. Na última temporada de moda de Nova York, Londres, Milão e Paris, que terminou em março, apenas 20% das modelos não tinham etnia caucasiana. Segundo o relatório semestral de diversidade do site The Fashion Spot, 1.908 modelos dos 9.358 recrutados para os 373 desfiles não eram brancos. Em Milão, somente 15,8% eram não caucasianos. Nova York foi a cidade que se saiu melhor no quesito da diversidade, com 24,4%, um percentual aquém da revolução que os americanos imprimiram naquela noite de Versalhes. “Por incrível que pareça, a diversidade ainda é um desafio, um sonho distante”, diz a autora Robin Givhan.
Na semana passada, a principal semana de moda do Brasil, a São Paulo Fashion Week, comemorou 20 anos. Nesse período, o evento conseguiu a façanha de estruturar o setor. As marcas brasileiras agora se organizam para seguir um calendário oficial de produção, distribuição e divulgação de seus produtos. Antes da São Paulo Fashion Week, a organização da moda local era caótica. Cada estilista despejava suas criações no mercado em momentos diferentes, dificultando a programação da cadeia têxtil e dos varejistas. Modelos, agências, fotógrafos, stylists e produtores se profissionalizaram, editores e compradores estrangeiros passaram a enxergar no Brasil possibilidades que iam muito além da moda praia. Como resultado, a semana de moda paulistana tornou-se a quinta em importância na escala mundial. O evento transformou para sempre a indústria nacional.
Mas onde estão as modelos negras da São Paulo Fashion Week? Num país majoritariamente autodeclarado pardo e negro – 96,7 milhões de pessoas, o equivalente a 50,7% da população, segundo o Censo 2010 do IBGE –, as passarelas continuam caucasianas. Às vésperas do evento, a grife Animale envolveu-se num caso de racismo. Uma vendedora de uma de suas lojas em São Paulo teria mandado um garoto de 8 anos sair da porta da butique, porque ali não seria local “para ele vender coisas”. A acusação foi relatada pelo pai da criança, o americano Jonathan Duran, editor financeiro de um banco de investimentos, e causou comoção nas redes sociais. Em nota distribuída à imprensa, a Animale disse que entrou em contato com Duran e “reitera que repudia qualquer ato de discriminação”. Na passarela, duas modelos negras, Natalie Alves e Mahany Pery, apresentaram alguns dos 29 looks da Animale.
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